domingo, 1 de janeiro de 2017

Violência, a linguagem do homem


 
Muito se fala (com razão) da violência contra a mulher, e ao que tudo indica muito pouco resultado têm todas as campanhas, advertências, leis, programas e sugestões para que os números que atestam essa barbárie diminuam.

Todos os dias vemos a mídia anunciar assassinatos, tentativas de assassinato, ou espancamentos de mulheres, que são vitimadas por homens que têm muita proximidade no cotidiano delas. São companheiros, ou ex, que acham que são seus donos, e podem dispor daqueles corpos, sentimentos, ideias e ações, como se as mulheres fossem objetos ou coisas.

Elas são criadas culturalmente a aceitarem o domínio do homem. Eles são criados culturalmente a serem dominadores e a não aceitarem a liberdade das mulheres. E quem ensina essa lição? Quem repassa esses conhecimentos, e por quê? A verdade é que mesmo sem se dar conta, aprendemos e ensinamos inconscientemente esse conteúdo. Em cada música, pouco importa o estilo musical, podemos ver como essa estrutura se expõe e retrata o que fazemos. E o que é pior: o que devemos fazer, afinal a cultura que nos permeia nos dá as diretrizes. A urbana música baiana de carnaval entra, vez por outra, na mira de ativistas que defendem os direitos da mulher, por expor e oficializar a dominação do homem.

O brega e o funk, em geral, também reproduzem com clareza a realidade que confirma que o homem vale mais que qualquer mulher. O sertanejo, que domina a maior parte dos rincões brasileiros não fica atrás com suas histórias de ‘amores’ não realizados por culpa das ‘ingratas’ que devem ser abatidas à bala, mesmo que o desditoso e amargurado peão guarde para si outra bala. As produções áudio-visuais não ficam atrás quando o enfoque é a dominação masculina e o uso da violência. 

Escolha qualquer filme desses que são ‘campeões de bilheteria’ e conte quantos momentos de amor (sexo, beijo, carinhos, etc) existem. Com uma mão somente, muitas vezes dá para fazer as contas. Agora experimente contar quantas pessoas morrem, somente porque aparecem na frente do ‘mocinho’. A vida, em geral, não vale mais que um cartucho carregado de munição. Para cada 250 homens aparece uma mulher, e sempre sem força suficiente para determinar os caminhos a serem seguidos. E geralmente, para atrapalhar o mocinho, fazendo-o sair de seu roteiro para salvá-la de algum perigo em que ela tenha se metido por ser mulher. Se fosse homem teria logo levado uma bala.


Mata-se para ter bilheteria nos cinemas. Matam-se homens. O importante é mostrar quem é o mais forte, e demarcar território. Seja no longínquo passado, quando os homens habitavam nas cavernas; na idade média, com a benção da igreja, que exigia que o sangue infiel fosse derramado; na idade moderna, quando a colonização de novas terras sugeria a exterminação dos selvagens; as guerras mundiais ou regionais, eliciadas por motivos econômicos, geográficos, ideológicos, políticos, ou ainda religiosos; ou no futuro, quando a humanidade, teoricamente, deveria estar em paz, mas só vislumbramos mais violência, dessa vez com requintes high-techEssa é a tônica de nossa produção atual. 

Há alguns anos o sexo era um grande atrativo das salas de cinema. As mulheres, claro, eram objetos de satisfação dos protagonistas e da plateia, que era masculina. 

Para cada música, filme, novela ou série que assistimos e conseguimos sentir um pouco de identificação com aquela situação mostrada, seja porque achamos engraçada, correta, ou normal (sublinhe-se aqui esse adjetivo: normal), estamos corroborando o domínio masculino sobre o feminino.


Isso significa que o homem pode (e deve, em muitos casos) agir para por a mulher em seu devido lugar, que é longe dos ambientes de decisão e longe dos lugares públicos. Que elas fiquem dentro de alcovas trabalhando para fazer comida, limpar salas, cuidar de roupas dos homens. E estarem prontas para servirem sexualmente os donos de suas vidas, e apanharem caso eles sintam que elas mereçam.


Para você ter certeza que essa é a nossa cultura, basta analisar o que você sentiu e pensou ao ler essas palavras. Certamente veio à sua mente que o que escrevi está certo, e que devemos mudar.


E o que estamos fazendo para mudar? Ouvindo músicas, dançando e tendo alegria com elas? Curtindo os filmes? Discutindo em mesas de bar como os homens são melhores e as mulheres são bibelôs que devem ser bem cuidadas? 


Será que achamos que as mulheres precisam da ajuda dos poderosos homens para serem defendidas desses mesmos primitivos machos que se acham donos da verdade?


Se elas (vocês, mulheres) estiverem esperando ajuda masculina para que a violência seja detida, o máximo que vão receber é uma bala certeira. As perdidas não são disparadas nesse momento.