Muito se fala (com razão) da
violência contra a mulher, e ao que tudo indica muito pouco resultado têm todas
as campanhas, advertências, leis, programas e sugestões para que os números que
atestam essa barbárie diminuam.
Todos
os dias vemos a mídia anunciar assassinatos, tentativas de assassinato, ou
espancamentos de mulheres, que são vitimadas por homens que têm muita
proximidade no cotidiano delas. São companheiros, ou ex, que acham que são seus
donos, e podem dispor daqueles corpos, sentimentos, ideias e ações, como se as
mulheres fossem objetos ou coisas.
Elas
são criadas culturalmente a aceitarem o domínio do homem. Eles
são criados culturalmente a serem dominadores e a não aceitarem a liberdade das
mulheres. E
quem ensina essa lição? Quem repassa esses conhecimentos, e por quê? A
verdade é que mesmo sem se dar conta, aprendemos e ensinamos inconscientemente
esse conteúdo. Em
cada música, pouco importa o estilo musical, podemos ver como essa estrutura se
expõe e retrata o que fazemos. E o que é pior: o que devemos fazer, afinal a
cultura que nos permeia nos dá as diretrizes. A
urbana música baiana de carnaval entra, vez por outra, na mira de ativistas que
defendem os direitos da mulher, por expor e oficializar a dominação do homem.
O
brega e o funk, em geral, também reproduzem com clareza a realidade que
confirma que o homem vale mais que qualquer mulher. O
sertanejo, que domina a maior parte dos rincões brasileiros não fica atrás com
suas histórias de ‘amores’ não realizados por culpa das ‘ingratas’ que devem
ser abatidas à bala, mesmo que o desditoso e amargurado peão guarde para si
outra bala. As produções
áudio-visuais não ficam atrás quando o enfoque é a dominação masculina e o uso
da violência.
Escolha
qualquer filme desses que são ‘campeões de bilheteria’ e conte quantos momentos
de amor (sexo, beijo, carinhos, etc) existem. Com uma mão somente, muitas vezes
dá para fazer as contas. Agora experimente contar quantas pessoas morrem,
somente porque aparecem na frente do ‘mocinho’. A vida, em geral, não vale mais
que um cartucho carregado de munição. Para cada 250 homens aparece uma mulher,
e sempre sem força suficiente para determinar os caminhos a serem seguidos. E
geralmente, para atrapalhar o mocinho, fazendo-o sair de seu roteiro para
salvá-la de algum perigo em que ela tenha se metido por ser mulher. Se fosse
homem teria logo levado uma bala.
Mata-se
para ter bilheteria nos cinemas. Matam-se homens. O importante é mostrar quem é
o mais forte, e demarcar território. Seja no longínquo passado, quando os
homens habitavam nas cavernas; na idade média, com a benção da igreja, que
exigia que o sangue infiel fosse derramado; na idade moderna, quando a
colonização de novas terras sugeria a exterminação dos selvagens; as guerras
mundiais ou regionais, eliciadas por motivos econômicos, geográficos,
ideológicos, políticos, ou ainda religiosos; ou no futuro, quando a
humanidade, teoricamente, deveria estar em paz, mas só vislumbramos mais
violência, dessa vez com requintes high-tech. Essa é a tônica de nossa produção atual.
Há alguns anos o sexo era um grande
atrativo das salas de cinema. As mulheres, claro, eram objetos de satisfação
dos protagonistas e da plateia, que era masculina.
Para
cada música, filme, novela ou série que assistimos e conseguimos sentir um
pouco de identificação com aquela situação mostrada, seja porque achamos
engraçada, correta, ou normal (sublinhe-se aqui esse adjetivo: normal), estamos
corroborando o domínio masculino sobre o feminino.
Isso
significa que o homem pode (e deve, em muitos casos) agir para por a mulher em
seu devido lugar, que é longe dos ambientes de decisão e longe dos lugares
públicos. Que elas fiquem dentro de alcovas trabalhando para fazer comida,
limpar salas, cuidar de roupas dos homens. E estarem prontas para servirem
sexualmente os donos de suas vidas, e apanharem caso eles sintam que elas
mereçam.
Para
você ter certeza que essa é a nossa cultura, basta analisar o que você sentiu e
pensou ao ler essas palavras. Certamente
veio à sua mente que o que escrevi está certo, e que devemos mudar.
E o que estamos fazendo para mudar? Ouvindo músicas,
dançando e tendo alegria com elas? Curtindo os filmes? Discutindo em mesas de
bar como os homens são melhores e as mulheres são bibelôs que devem ser bem
cuidadas?
Será que achamos que as mulheres precisam da ajuda dos
poderosos homens para serem defendidas desses mesmos primitivos machos que se
acham donos da verdade?
Se elas (vocês, mulheres) estiverem esperando ajuda
masculina para que a violência seja detida, o máximo que vão receber é uma bala
certeira. As perdidas não são disparadas nesse momento.