sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ser cristão é crime?

Fazem sucesso os vídeos no You Tube de um padre numa homilia sobre algumas atitudes do governo. Video, mesmo, não é o termo certo, já que a produção é de um áudio editado com várias imagens. Esse áudio é da voz do padre Paulo Ricardo e está disponível no seu site. Com uma fala corajosa e até convincente, o padre desfia vários torpedos contra mudanças que ameaçam a hegemonia da Igreja Católica. Fala sobre o Plano de Desenvolvimento dos Direitos Humanos.
Inicia a homilia dizendo que o documento foi aprovado no “apagar das luzes” só porque foi feito no final do ano. Como se não se pudesse mais trabalhar nos finais de ano.
Diz que é grande e de difícil leitura, e que por isso ele vai dar a sua opinião, levando o ouvinte a imaginar que não é necessário ler o original. Já começa pervertendo a democracia, uma vez que cada pessoa tem o direito de ter acesso à documentação, lê-la e tirar suas próprias conclusões. O documento tem 228 páginas, algumas das quais usadas para mostrar quem fez parte da elaboração do Decreto, como Fóruns, Comitês, Comissões, Conselhos, mostrando que não é obra de uma só pessoa, ou entidade, e que tem representatividade da maioria da sociedade brasileira. Se a Igreja não participou, certamente não foi por falta de convite, e não pode agora se arvorar no direito de querer desacreditar o resultado. Acredito, entretanto que houve a participação da Igreja, mas os resultados não foram exatamente os que ela gostaria. Cabe aceitar a decisão da maioria.
E a primeira conclusão do palestrante é que o decreto cria dois tipos de brasileiros. Se isso é verdade, provavelmente o Governo deve ter aprendido a receita com a própria Igreja, que sempre fez diferença entre os “seus” e os outros, quais sejam pagãos, hereges, protestantes... Conclui que o decreto quer tornar o cristianismo ilegal. Como a Igreja fez, ao longo da História com toda e qualquer forma de pensamento divergente das normas ditadas por ela mesma.
Nenhum funcionário público pode ser contra o aborto, nem contra casamento de pessoas do mesmo sexo” diz ele. E está certo, o decreto. A pessoa pode ser contra ou a favor, mas o funcionário público representa uma sociedade. Essa sociedade tem a obrigação de pensar de variadas formas, por isso o servidor, enquanto representante dela não pode agir de acordo com o seu próprio pensamento.
Outra crítica feita é em relação à retirada de símbolos religiosos dos locais públicos. Isso é uma ação, à primeira vista, reacionária, porém poderia ser também, a obrigação da colocação de símbolos como a “Estrela de Davi”, a pomba do Espírito Santo, de imagens ou apetrechos de Orixás, ou ainda da exposição do “Alcorão”, ou qualquer outro símbolo religioso nesses mesmos lugares, onde vige soberana a cruz de Cristo. Por que essa prioridade da cruz? Entendo como a melhor opção a não utilização de nenhum deles, afinal os governos e todas as suas manifestações são laicos.
"Os cristãos de algema, mordaça, de mãos atadas", como ele diz, nada mais fazem que se igualarem a todos os outros cidadãos de outras crenças que sempre ficaram calados porque eram obrigados a isso.
Passa o padre, então, a prever uma ditadura, fazendo uma comparação direta com Hitler, e sua eleição democrática. Por que não exemplificou as barbáries cometidas pela Igreja, em nome da Igreja em toda a História? Não são nada belas essas passagens.
Fala da descriminalização do aborto o que considera como um erro, e dá um índice de 94% de repúdio ao ato. O fato do aborto deixar de ser um crime, não impede de ele continuar sendo um pecado, mas o que não podemos é fazer de conta que não existe o aborto criminoso, e que milhares de mulheres morrem por falta de possibilidade de fazerem uma cirurgia de modo adequado. Por que a Igreja quer tantos nascimentos? Para manter uma fonte eterna de crianças para serem abusadas pelos seus padres? Já há muita morte, e o aborto legalizado não vai aumentar esses números, mas com certeza diminuirá o sentimento de culpa das mães que sobrevivem, e o número de crianças abandonadas e mal-amadas.
Atos como esses, previstos no Decreto, não acabam com a democracia. Muito pelo contrário: dá vigor à sociedade que pode - e deve – agir e pensar de diversas formas, incluindo o ser a favor ou contra o que a Igreja pensa.
São palavras do padre: “Uma minoria de ateus desavergonhados querem amordaçar a maioria dos cristãos desse país”. E ele fala com uma propriedade como se a sua própria Igreja Cristã não tivesse se firmado na História Ocidental e na nossa sociedade usando esses e outros artifícios não menos violentos para fazer com que o pensamento comum fosse somente um: o dela própria. Ele fala como se os indígenas, os negros, protestantes e judeus que foram dizimados, massacrados e escravizados com o aval da Igreja, tivessem concordado em ter que apagar de suas culturas e de seu dia-a-dia suas crenças e seus deuses, tendo sido forçados a aceitar outra religião, outro nome, ou fugir, correndo o risco de serem mortos caso não o fizessem. A tradição de cinco séculos de cristianismo que ele apregoa foi criada e sustentada com o impedimento dessa massa de pessoas de ter seu próprio pensamento e ter direito sobre suas próprias vidas e manifestarem publicamente sua religião. E eles não eram a minoria.
Ataca a união entre homossexuais classificando como “afronta” e “insulto” alegando que o ato homossexual não tem a mesma dignidade de um ato heterossexual, pois todos nós nascemos de um ato heterossexual. “O que um homem com um homem pode produzir além de excrementos?”, pergunta o padre, concluindo que isso é uma perversão. Devia sugerir, então, a criminalização da masturbação, também. Afundou o pé no preconceito.
Ele cita a PL 120, mas na verdade quis dizer PL 122. Ele é veementemente contra a lei que proíbe a discriminação sexual, pois alega que ela "criminaliza o cristianismo". Ele quer poder discriminá-los. Por quê? Por achar o ato "feio e indecente"? Ou porque, como ele mesmo diz: “a palavra de Deus nos proíbe?” de aceitar?
Na sua fala contra o MST, deturpa um pouco o texto do Decreto que diz que não deve ser usada a violência [Ver 413. Adotar medidas destinadas a coibir práticas de violência contra movimentos sociais que lutam pelo acesso a terra.]. Será que ele é a favor do uso da violência?
Em relação à sua posição política, nada a comentar, afinal, como ele disse no início de sua pregação, a religião é um ato político.
O meu ato também, por isso resolvi responder à fala dele.
Carlos Dantas

Nenhum comentário: